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Carlos Tramontina deixa a Globo após 43 anos

Por Diego Cartaxo |

Carlos Tramontina deixa a Globo após 43 anos
Foto: Reprodução

O jornalista Carlos Tramontina, apresentador do SPTV2, deixou a TV Globo nesta terça-feira (26). A informação foi confirmada por comunicado interno do canal.

“Tramontina deixa hoje a Globo, uma saída em comum acordo. Quis se despedir com duas bonitas ancoragens do SP2, no Sambódromo, e a transmissão da apuração das Escolas de Samba de São Paulo. Ele deseja dedicar mais tempo para a mulher, os dois filhos e a neta Alice, que nasceu em março. Correr agora não será mais atrás da notícia, mas apenas para manter a forma, como sempre gostou”, diz parte do texto, disparado por e-mail por Ali Kamel, diretor-geral de jornalismo.

Na edição de hoje, o próprio Tramontina se despediu do público. “Quero mandar um abraço para todos vocês. Muito obrigado pelo carinho, boa noite”, disse o agora ex-global.

O repórter José Roberto Burnier assumirá o comando do telejornal local.

Veja o comunicado na íntegra:

O ano era 1978. Um estudante de jornalismo chegava à velha sede da Globo, na Praça Marechal, em busca de estágio, sem saber que aquele movimento definiria a sua vida profissional. Ele começou observando o trabalho da redação e quando algum repórter faltava, ganhava a chance de substituir. A primeira reportagem, sobre o aumento na tarifa de táxi, foi feita em filme, ainda em preto e branco.

Lembrar a história de Carlos Tramontina é viajar pelas transformações tecnológicas e pelos acontecimentos mais importantes da história recente de São Paulo e, em muitos momentos, do país. Na década de 1980, ainda como um jovem repórter, ele cobriu as greves dos metalúrgicos, em São Bernardo do Campo. Saiu de uma delas, no Estádio da Vila Euclides, escoltado pelas lideranças sindicais que o protegeram de um grupo mais exaltado. Estava na sede do governo paulista, o Palácio dos Bandeirantes, quando cinco mil pessoas sem emprego derrubaram as grades, forçando uma invasão. Era um tempo de turbulência, de muita gente na rua. Tempo em que o Brasil reaprendia a viver em democracia.

Da primeira eleição direta para governador, depois da ditadura, em 1982, à mais recente, ele cobriu todas as campanhas eleitorais. Foram oito governadores eleitos, dez eleições municipais.

Profissional meticuloso, sempre gostou de escrever, com caligrafia perfeita, em pequenos cadernos, as informações que colhia para entrevistar os candidatos e depois prefeitos. A lista dos que passaram pelo escrutínio de Tramontina é grande: Jânio Quadros, Erundina, Maluf, Marta Suplicy, Serra, Kassab, Haddad e Bruno Covas.

Em 1985, veio, se não o primeiro, o mais marcante plantão em rede. O país acompanhava agoniado a evolução da doença do recém eleito, e ainda não empossado, presidente Tancredo Neves. Na porta do Instituto do Coração, entre os repórteres que se revezaram numa longa cobertura, estava Carlos Tramontina. Por 42 dias, aquele foi o seu local de trabalho, e ele gosta de contar que ali entendeu a importância de traduzir de forma simples, temas complexos. As pessoas esperavam os telejornais para saber os detalhes médicos dos quais dependiam a vida de Tancredo e o futuro do país. E às 10h23 da noite, de um domingo, 21 de abril, coube a ele entrar ao vivo para noticiar que o porta-voz Antonio Brito faria um pronunciamento, o anúncio da morte do presidente eleito (eu me recordo vivamente desse momento porque foi a senha para que eu corresse para a Rádio Jornal do Brasil, onde passei a noite ajudando na edição seguinte do “Jornal do Brasil Informa”, que iria ao ar às seis e meia da manhã, e, também, finalizando, com outros colegas, o obituário que estava sendo preparado desde que a doença se agravara).

Foi uma cobertura histórica e desafiadora, num tempo em que entrar ao vivo não era algo trivial. Não só porque era necessário um caminhão, mas pelo desafio de encontrar entre prédios, e mesmo árvores, uma brecha para que a antena parabólica erguida ficasse em linha com a torre de transmissão da Globo.

 

Quarenta e três anos de trabalho em TV significam estrear a cor (no jornalismo), o vídeo tape, a alta definição. De depender de câmeras grandes, que precisavam de um equipamento em separado para a gravação, à possiblidade de usar apenas um celular. Dessa trajetória, Tramontina carrega alguns orgulhos, o de ancorar o primeiro jornal fora de um estúdio, na Globo, a edição do Bom Dia São Paulo que comemorou o aniversário da cidade, em 1990. Dois anos depois, para marcar os 15 anos do Bom Dia São Paulo, outro feito, a primeira ancoragem de telejornal feita a bordo de um helicóptero, no Brasil. E mais recentemente, quando veio a pandemia, e por segurança se recolheu em casa, aprendeu a gravar sozinho e fez da varanda do seu apartamento o cenário para ancoragem do Antena Paulista, com um resultado que mereceu aplausos da equipe técnica.

Tramontina foi o rosto do Bom Dia São Paulo por sete anos. Âncora do SPTV Segunda Edição desde 1998. Em 2000, passou a apresentar também o Antena Paulista, aos domingos.

Com a voz dele, os paulistas acompanharam a visita dos papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Se chocaram com casos policiais, como o do maníaco do parque, o sequestro de Silvio Santos, , o ataque do PCC, em 2006, o assassinato de Isabela Nardoni, em 2008. Em longas transmissões, que aconteciam do chão ou pelo ar, o público também chorou a despedida a Elis Regina, Airton Senna, Mamonas Assassinas e Mario Covas.

Na metrópole de clima caprichoso e acontecimentos imprevisíveis viu cair dois aviões. Em 1996, logo após a decolagem, o Fokker 100 da TAM, com 93 mortes. Em 2007, no pouso, o voo da TAM, vindo de Porto Alegre, com 224 pessoas a bordo. Ocasiões em que a notícia era chocante a ponto de merecer uma edição inteira do SPTV. Foi assim na explosão do shopping de Osasco, no dia dos namorados de 1996 e os dias que se seguiram ao incêndio do Edifício do Largo Paissandu, ocupado por 117 famílias, em maio de 2018.

Os colegas da redação de São Paulo aprenderam a ver nele um profissional generoso ao dividir seu conhecimento com os mais jovens, detalhista e muito rigoroso com a apuração e a qualidade técnica. Um torcedor discreto e apaixonado pelo Palmeiras, que se permitia a pequena transgressão de vestir uma gravata verde toda vez que seu time ganhava.

Nesses 21 anos de convivência, pude confirmar a impressão de todos os que trabalham com ele. Tramontina é um profissional de excelência, de dedicado, atento aos detalhes.

Tramontina deixa hoje a Globo, uma saída em comum acordo. Quis se despedir com duas bonitas ancoragens do SP2, no Sambódromo, e a transmissão da apuração das Escolas de Samba de São Paulo. Ele deseja dedicar mais tempo para a mulher, os dois filhos e a neta Alice, que nasceu em março. Correr agora não será mais atrás da notícia, mas apenas para manter a forma, como sempre gostou.

Para ancorar o SP2, no lugar de Carlos Tramontina, convidamos José Roberto Burnier. Os dois dividem uma trajetória parecida e uma amizade que atravessa décadas. Burnier começou na EPTV, em Campinas. A convite do Globo Rural, se mudou pra São Paulo. Ficou no programa por cinco anos. Em 1988, se juntou ao time de repórteres dos jornais diários.

Assim como Tramontina viu pelas lentes da reportagem a redemocratização do país. Burnier cobriu as repercussões da Assembleia Constituinte, a eleição presidencial de 89 e todas as que se seguiram até se mudar para Buenos Aires, como correspondente, em 2004. Nesse mesmo ano, entrevistou Hugo Chaves para o Jornal Nacional e depois, em outras coberturas, viajou para quase todos os países da América do Sul.

De volta ao Brasil, seguiu como repórter do Jornal Nacional até 2018, quando a GloboNews criou o Em Ponto e o escolheu como âncora. No ano passado, passou a ser o apresentador de São Paulo, no Conexão.

À frente do SP2, vai exercitar suas qualidades de âncora na TV aberta, função que ele teve apenas brevemente na primeira metade da década de 90.

Ao Tramontina, agradeço toda a contribuição que deu ao jornalismo brasileiro e ao da Globo em especial e desejo que realize tudo o que deseja.

Ao Burnier, desejo toda sorte do mundo na substituição desse seu contemporâneo, uma grife do nosso jornalismo.

Ali Kamel