Nesta sexta-feira (27) o cantor Nego Freeza lança em todas as plataformas digitais o seu primeiro álbum solo de estúdio. Intitulado ‘’Icyerekezo”, nome dado ao satélite lançado em Ruanda, na África, que em Quiniaruanda – língua falada em Ruanda – significa ”Visão”, com o objetivo maior de conectar escolas rurais à internet. O álbum retrata a realidade do continente africano de uma maneira leve, com um olhar para quem deseja entender o passado e ao mesmo tempo sonhar com um futuro, onde a cultura africana não só resiste, mas também lidera com a beleza e com a força, onde é celebrada e respeitada.
Com “Icyerenkezo”, Nego Freeza apresenta um disco que desde já apresenta caminhos para pensar a negritude brasileira dentro de uma ótica afro diaspórica, que toma o pensamento, as formas e figuras do continente como local de partida. Desta forma, faz todo o sentido que o título do disco que em português significa “visão”, tenha um satélite como signo.
Neste “satélite” lançado no universo por Nego Freeza, Icyerenkezo, tem como material constitutivo os seus mais de 20 anos de carreira como músico, pesquisador, DJ e MC. Fazendo o trabalho de captar e retransmitir sonoridades através de um flow e ideias esculpidas por sonoridades do Rap, do reggae, dos afrobeats, mas também da música popular e do rock’n roll.
As 8 faixas presentes no disco, possuem uma estrutura como nos antigos LP’s de vinil, onde temos um lado A e um lado B. O trabalho artístico apresentado por Nego Freeza e as produções de Pupillo casam muito perfeitamente e nos trazem dois blocos distintos e complementares de afetos.
Algo que poderíamos resumir como a circularidade da música africana na diáspora, em formas e expressões. Onde a primeira metade passeia pela diversão autoafirmativa de uma negritude. E se complementa pelo diagnóstico das opressões, através de uma lírica resistente e intrincada.
Entre o presente vivo e pulsante e uma concepção de tempo circular, a presentificação de uma distopia afrofuturista, rompe com a dicotomia entre entretenimento e arte. Em “Icyerenkezo”, Nego Freeza assume e trabalha junto às influências do funk carioca, de John Coltrane, e passeia nos universos de referência de Jorge Ben e Sun Ra. Indo além das citações, e incorporando ao material poético e sonoro essas influências sem perder a sua singularidade.
Para além de fórmulas marketeiras, esta estreia solo é a expansão de um universo de vida e arte que Nego Freeza nunca entendeu como separadas. Vivendo desde o fim dos anos 90 no underground da música brasileira, mas com experiências em
festivais históricos. O disco solo traz a luz de modo completo, um MC que conjuga o mais “baixo” das vivências da rua com o mais “alto” alcançado através do pensamento da negritude. Pois, como um homem preto de Axé, não separa o concreto do abstrato e sabe que as formas de pensamento europeu não lhe cabem.
Prova disso é o single já lançado, “A Gente Pulsa”, que recebeu um simples e bonito “visualizer” conjugando batidas, rimas e dança, como o Hip-Hop surgiu. Carta de intenções e coração do disco, a música apresentou ao público uma sonoridade vibrante, dançante e um lírica e flow que apresenta o pensamento que governa, a construção na história e as geografias da música preta.
A arte visual de “Icyerenkezo” ficou a cargo da premiada artista Aline Bispo que trabalhou dentro do seu estilo construindo uma capa de disco que impacta o ouvinte pela construção semiótica. De fundo vermelho, a simplicidade da imagem de punho negro segurando uma “espada de ogum” – Orixá do qual Nego Freeza é filho no candomblé – faz a conexão das lutas da diaspóra a espiritualidade africana.
No campo das participações do disco, Nego Freeza e Pupillo contaram com os músicos Carlos Trilha que tocou os synths em “A Gente Pulsa” e do saxofonista Oswaldo Lessa (Marisa Monte, Larissa Luz, Afrojazz), que abrilhantou a faixa “Espaço Versos Universo”. Na parceria das rimas, Freeza convocou um dos maiores MC’s e cantores da história do Rap nacional: Matéria Prima (Quinto Andar, Subsolo), para a faixa “Meu Lar”.
A riqueza presente em “Icyerenkezo” conta com um time de ponta e chega às plataformas digitais através da gravadora Cachoeira Music. A gravadora possibilitou que um dos grandes nomes do Rap nacional lançasse um dos discos mais plurais da história recente do gênero no país. Pluralidade que se expressa em ritmo e poesia com forte embasamento sonoro – através da mistura de gêneros – e liricamente com um escopo firme e muito consciente sobre o anticolonialismo.
Um disco que em sua presença no cenário atual traz toda a força da resistência do passado diante dessa sinfonia do caos onde vivemos, nos alegrando e colocando para pensar sobre universos muitas vezes muito próximos de nós.
Nego Freeza como um verdadeiro Mestre de Cerimônias, abençoado por Ogum, e apoiado pelas criações de Pupillo nos leva a perceber as diversas tecnologias ancestrais que são nossa herança enquanto povo preto. Ogunhê!
Sobre Nego Freeza:
Em abril de 2023, Nego Freeza deu o pontapé inicial na carreira solo – após cerca de 20 anos como integrante do grupo baiano OQuadro. Nascido em Ipiaú (BA), município do interior do estado da Bahia, ele reside no Recife (PE) há sete anos. O Rapper que sempre mixou a cultura do hip hop com a música africana, lança seu primeiro álbum solo com direção musical e arranjos de Pupillo.