Recebemos com enorme tristeza a notícia da morte de Karl Lagerfeld, diretor criativo e estilista das marcas Chanel e Fendi. Aqui no POPMais deixaremos um espaço inteiramente dedicado a ele.
Karl Lagerfeld foi um grande criador e iconoclasta da moda. Polêmico para muitos, o Monsieur criou orgulhosamente uma caricatura de si mesmo, tornou-se uma instituição. Era reconhecido por seu rabo de cavalo inteiramente grisalho, óculos escuros, blazer preto, camisas e colarinhos brancos, sempre munido de luvas de couro. Lagerfeld era um eterno sonhador, um ilusionista que a cada temporada apresentava de modo mítico suas coleções. Suas roupas não eram necessárias, mas nos faziam sonhar. Karl Lagerfeld era um gênio provocador, nas palavras de Donatella Versace, e soube como ninguém atar o clássico com o moderno. Lagerfeld tampouco era o estereótipo de vovô da Sukita. Nunca fingiu ser moderno, atual ou contemporâneo, ele simplesmente era. O estilista teve uma das carreiras mais longevas e consistentes dentro de uma Maison. Sua idade era apenas um decimal sem importância. Sua relevância? Digamos que incalculável e atemporal.
Karl Otto Lagerfeldt (1933 – 2019)
Na semana de alta-costura parisiense, em janeiro, levamos um susto e dos grandes. Lagerfeld declarou sentir-se cansado e não compareceu ao desfile da Chanel. Algo estranho havia acontecido, já que nunca fez questão de esconder seu perfil hiperativo e engenhoso. O estilista deu entrada em um hospital de Paris no dia 18 de fevereiro, falecendo no dia seguinte (19). Até a data do fechamento desta matéria não foi informado oficialmente o motivo de sua morte. O estilista tinha 85 anos e foi notório pela sua produtividade, elegância e também pela língua ferina. Karl falava 4 idiomas, era colecionador de arte, tinha uma bagagem cultural invejável e um senso de humor bastante incomum. Além de hábil desenhista e artesão demonstrou habilidades também como fotógrafo. Na edição de dezembro, em 2014, clicou um ensaio para Vogue Brasil, protagonizado pela übermodel Gisele Bündchen e a sua gatinha Choupette. De família e criação abastada formou-se mais tarde em História e Desenho no Lyceé Montaigne em Paris. Iniciou sua carreira sendo assistente do ilustre Pierre Balmain na década de 50. Antes de assumir a direção criativa da Chanel, sendo quase a extensão da marca, tanto quanto Gabrielle Coco Chanel, foi o estilista de grifes como Chloé durante a década de 70, além de ter criado sua própria e homônima marca nos anos 80. Lagerfeld também assumiu a direção criativa da Fendi e criava aproximadamente 14 coleções ao ano.
Lagerfeld: nasce uma estrela
Lagerfeld tirou o ‘t’ no final de seu sobrenome para que ficasse mais comercial. Assumiu a Chanel em 1983 ajudando a revitalizar e expandir o império da marca, que atualmente é uma das mais valiosas do mundo. Na época em que assumiu, a marca era tida por muitos como ultrapassada e era apenas vestida pelas mulheres de médicos parisienses, segundo as más línguas. Lagerfeld modernizou os ternos de tweed, as jóias de pérolas e a sapatilha bicolor que são peças assinaturas e criações da própria Coco Chanel. Lagerfeld também recriou a aplicação de peles nos vestuários dando uma leve repaginada e foi um dos últimos, até o momento, a bani-las totalmente de suas coleções. Foi também pioneiro no uso de peles sintéticas. Nos desfiles da marca, Lagerfeld investia muito na cenografias monumentais no Grand Palais. A Chanel já apresentou suas coleções em cenários como Antártida – com um iceberg verdadeiro importado da Suécia – hipermercado, aeroporto, praia artificial, um grande carrossel, jardins orientais, mediterrâneos e bucólicos, cachoeiras, réplica da Torre Eiffel, desfile protesto e uma infinidade de universos. Havia sempre um elemento surpresa em seus desfiles que mais pareciam produções hollywoodianas, se equiparando aos grandes concertos de música. Durante sua gloriosa carreira, elegeu como musas inspiradoras as modelos Inès de la Fressange, Claudia Schiffer e Cara Delevingne, além do boy Baptiste Giabiconi, que na opinião do kaiser é o melhor modelo do mundo.
A língua sempre afiada eventualmente colocava Lagerfeld em maus lençóis. Dono de frases célebres, registou um documentário em 2007, o Karl Confidential. Nele, Lagerfeld afirmou que a moda é “efêmera, perigosa e injusta” e se autoproclamava como “um improviso total”.
Casos de Família
Se tem algo que Karl Lagerfeld nunca deu importância foi à sua própria reputação – dá vontade né, Taylor Swift? Apesar de eloquente, Lagerfeld era desses que perdia o amigo, mas não a piada. Sua boca era praticamente uma metralhadora giratória e não poupava quase ninguém. Lagerfeld não tinha pudores, já considerou o estilo da chanceler federal alemã Angela Merkel de antiquado, já falou sobre os quilos extras da cantora Adele, dizendo que ela era “gordinha e arredondada”, já até atacou o ex-presidente François Hollande o chamando de imbecil, por conta do aumento do imposto de renda. Na ocasião, Lagerfeld aproveitou para dizer que Hollande odiava os ricos e o comparou ao ex-primeiro-ministro espanhol Zapatero. Ególatra, alfinetou John Galliano, que na época era diretor criativo da Dior, dizendo que ele não fazia roupas para mulheres e sim para drag queens, já disse que a atriz Meryl Streep havia desistido de usar um vestido feito sob medida, pois tinha recebido cachê de outra marca. Esse episódio pegou tão mal que Lagerfeld veio a público se desculpar pela fanfic. Em uma entrevista para o extinto programa GNT Fashion, apresentado pela lendária Lilian Pacce, Lagerfeld chegou a declarar que tinha muita vontade de vir ao Brasil, mas que o seu seguro de vida não cobria a viagem. Karl também já citou o fato da modelo Heidi Klum, ex-Angel da Victoria’s Secret, sua conterrânea, por não considerá-la conhecida em Paris. Diante de tantos dardos desferidos ao léu, Lagerfeld sempre seguiu inabalável.
Karl é POP
Que o estilista é cultuado e renomado no mercado de luxo todos sabem, mas se tinha uma coisa que Karl Lagerfeld adorava era ser POP. Aqui listamos algumas curiosidades que maculam a ideia de que ele era somente um senhor inacessível, extremamente rabugento e elitista. O que em parte tinha a sua verdade.
- Karl Lagerfeld chegou a atuar no filme L’Amour em 1973, dirigido por ninguém menos que Andy Warhol;
- Ele era viciado em Coca-Cola Light. Chegou inclusive, a colaborar por duas vezes com a Coca-Cola para repaginar as embalagens dos refrigerantes. Foi um sucesso absoluto de vendas!;
- Em 2010, Monsieur Lagerfeld foi o garoto propaganda de um dos comerciais da Volkswagen, em que interpretava um paparazzi;
- Pioneiro, Karl Lagerfeld criou uma coleção cápsula pra H&M, varejo de fast-fashion europeu muita antes dessa tendência virar febre. Não era muito frequente estilistas de marcas de luxo, democratizarem o acesso às suas criações;
- Em 2017, Lagerfeld criou uma linha exclusivamente para a Vans. Além dos famosos tênis, tinha de tudo um pouco: bonés, camisetas, jaquetas e moletom.
Sua ausência será extremamente sentida. Num mundo onde o pragmatismo por negócios enrijece os grandes criadores, Karl Lagerfeld era indubitavelmente um rebelde. Nunca deixou de sonhar apesar de ter os pés sempre no chão. Tivemos um privilégio enorme ao testemunharmos suas criações e nos divertimos em seu palácio onírico.
Descanse em paz, Karl!