Foi com muita serpentina e confete que o bloquinho do Demasiado saiu pela avenida, pois tivemos muita prosa neste Carnaval. Passando pelos tapetes vermelhos, indo até o mais desconcertante escândalo do mês, pauta não faltou para nós. Abram alas porque vamos girar
mais do que Leila Lopes e o porta-bandeira da Mangueira juntos. Segura, Berenice!
Shantay, you stay
Neste ano tivemos algumas rupturas mais do que necessárias do ideal de tapete vermelho. Shangela, a famosa drag queen que participou de Ru Paul’s Drag Race e que fez uma biscate em “Nasce Uma Estrela”, foi a primeira drag queen a participar do tapete vermelho do Oscar.
Shangela desfilou glamurosa, montada num vestido de Diego Montoya, conhecido na cena queer por trabalhar com outras drag queens também participantes do programa.
Tivemos também a presença absoluta do premiadíssimo Billy Porter, ator de Pose. Porter desfilou um traje feito pelo vencedor da quarta temporada de Project Runway, Christian Siriano. Da cintura pra cima, silhueta masculina e tradicional: um elegante smoking, com camisa e
gravata borboleta. Da cintura pra baixo, um vestido de gala volumoso e fluído, sob uma crinolina quase que imperial. O impactante vestuário andrógino foi inspirado em Hector Xtravaganza, uma das principais personalidades da cena LGBTQ+ da década de 80 em Nova
Iorque, durante a efervescência da cena Voguing. Xtravaganza infelizmente faleceu em 2018 e prestava consultoria para o seriado. Muitos elogiaram o ato transgressor, o que em outro tempo teria sido motivo daquele velho e rançoso escárnio LGBTfóbico, principalmente por gente que acha que Hollywood está lacradora demais, progressista demais. Bom mesmo era o tempo em que o misógino Harvey Weinstein assediava sexualmente mulheres com um silêncio sepulcral, não? (sic).
Os tempos estão mudando, definitivamente. É preciso estar atento e forte, como diz Gal Costa em “Divino Maravilhoso”.
Lady Tiffany
Se algo poderia ameaçar o protagonismo e o ofuscar o brilho de Lady Gaga na noite do Oscar 2019, esse algo não poderia ser mais valioso do que o diamante amarelo utilizado pela estrela; de 128 quilates da Tiffany & Co. Estimado em US$ 30 milhões, a jóia rara tem história pra contar.
Descoberto em 1877 nas minas de Kimberly, na África do Sul pelo próprio fundador da Tiffany, o sir Charles Tiffany, o diamante amarelo é um dos maiores do mundo e foi utilizado pela última vez no clássico de Audrey Hepburn, o icônico filme “Bonequinha de Luxo”. Gaga foi
a primeira a usar a jóia em um tapete vermelho. Bronzeada, vestiu um Alexander McQueen inteiramente preto, muito elegante. Nem tudo que reluz é ouro, mas quem brilhou mesmo foi Lady Gaga com seu Oscar de Melhor Canção Original. Bravo!
Muglermania
Aproveitando a carona das premiações e dos troféus dourados, adoramos Cardi B no tapete vermelho do Grammy. Cardi foi de Thierry Mugler alta-costura, da cabeça – adornada com pérolas – aos pés.
Ao todo, a rapper usou 3 indumentárias assinadas pelo Manfred diretamente importadas de seu acervo em Paris.
O vestido utilizado no tapete vermelho e o catsuit na performance burlesca de “Money”, fizeram parte do desfile de aniversário de 20 anos da grife de Mugler em 1995. Foi um desfile épico, Mugler em seu auge. No elenco, além das supermodelos Linda Evangelista, Naomi
Campbell, Kate Moss, Nadja Auermann, Claudia Schiffer, Shalom Harlow, tivemos a nossa saudosa e brasileiríssima Betty Lago abrindo a passarela.
Já o terceiro vestido fez parte da coleção “Les Insectes” de 1997. Cardi B pode não ter sido unanimidade ao vencer o prêmio de melhor álbum de Rap, mas nos fez lembrar de um tempo muito bom. Quanta nostalgia!
Muglermania 2
O agora Manfred Thierry Mugler pode estar aposentado, mas suas obras ainda vivem. O fotógrafo Alix Malka clicou um ensaio com a modelo Irina Shayk, vestindo os figurinos mais icônicos de Mugler, para a exposição “Thierry Mugler Couturissime”.
O fotógrafo é conhecido por seu portfolio em editoriais de beleza e um de seus trabalhos mais conhecidos é o encarte do álbum “Bionic” de Christina Aguilera. A exposição estreou no Museu de Belas-Artes de Montréal no dia 3 de março. O ensaio com Irina clicado por Malka ficou espetacular e nós, claro, amamos.
Curiosidade: Thierry Mugler tampouco é desconhecido pelos olhos do povão. Ele dirigiu e fez todas as roupas para o clipe de “Too Funky” de George Michael em 1992. Em 2008, colaborou com Beyoncé na turnê “I Am… World Tour”, emprestando todo o seu acervo para a cantora se deleitar durante os shows. Algumas celebridades já visitaram a exposição e entre elas, a modelo Tyra Banks que participou do clipe de “Too Funky”, Kim Kardashian e a drag queen Violet Chachki
Supremo Tribunal da Internet – Caso: sinhá moça
A festa de 50 anos da editora chefe da Vogue Brasil, Donata Meirelles, celebrada em Salvador causou tanta comoção, que sobrou até para a própria publicação colocar panos quentes no ocorrido. Vexame não é algo completamente desconhecido pela Vogue ultimamente também, né?
Explico, quem se lembra do pesadelo do baile de carnaval com a temática Pop África promovida pela revista? Pois é, misericórdia!
Donata publicou uma foto em que estava sentada num trono de candomblé, ao lado de duas baianas devidamente trajadas… Pronto! O escândalo que se armou eclodiu na velocidade da luz. Muitos atribuíram a imagem postada por Donata, o nosso passado colonial escravocrata, muito retratado nos quadros neoclássicos de Jean Baptiste Debret.
O crime perfeito: a sinhá ao lado de suas mucamas. Fato é que as baianas não estavam usando fantasias, estavam apenas
fazendo trabalhos receptivos, e deram a sugestão de Donata ficar ao centro da foto, sentada. Mas já era tarde demais. O tribunal inquisidor da internet já havia dado a sentença. Muitos inclusive, afirmaram que a festa tinha como tema Brasil Colonial. As fotos dos convites investigadas pela redação até o fechamento desta coluna, não apresentavam esta informação. Inclusive, se alguém puder apresentar essa prova, publicaremos uma errata.
Após o episódio, a Vogue Brasil emitiu um comunicado oficial que falhou ao convencer os internautas. O que poderia ser interpretado como sincretismo religioso e reverência à cultura baiana, para muitos esclarecidos, a imagem publicada por Donata tinha uma outra conotação. Houve quem passasse pano, mas a reação negativa já havia tomado conta da internet. Personalidades importantes como a cantora Elza Soares, a escritora Joice Berth, as jornalistas Lilia Schwarcz e Regina Guerreiro repudiaram com veemência tal acontecimento.
O episódio meteórico causou estragos por onde passou. A ira que tomou conta da internet, castigou até as próprias baianas. Explico novamente, as baianas que trabalharam na festa prestaram queixa devido às ofensas proferidas na internet, como publicado no dia 12/02 pela Folha de S. Paulo. Como desgraça pouca é bobagem, a retaliação também alcançou o tabuleiro onde vendem acarajé. Alcunhadas como omissas e vendidas, perderam outros contratos de trabalho receptivo, afinal, ninguém quer saber de repercussão negativa e ser o
racista da vez.
No dia 13 de fevereiro, foi publicado oficialmente a demissão de Donata Meirelles da Vogue Brasil. Donata deixou uma declaração bastante lúcida em relação ao doloroso episódio. Por trabalhar com imagens, a revista e seus colaboradores devem ter o duplo cuidado, mesmo que estejam com boas intenções ao retratar a negritude do nosso país. A servidão e a subordinação de pessoas negras não deve ser celebrada, ainda que infelizmente, esteja impregnada nos nossos tecidos sociais. Devemos estar atentos e combater o racismo estrutural em todas as suas formas. É preciso estar sempre vigilante com a sua naturalização. A escravidão foi um período extremamente perverso e um dos maiores crimes lesa humanidade da história. No entanto, precisamos evitar que uma imagem tenha a responsabilidade de sentenciar profissões e vidas nas quais não conhecemos.
O cuidado que deveria ter sido tomado por Donata ao ser retratada daquela maneira, é o mesmo cuidado em que a internet precisa ter a julgar uma realidade que não a vive. Entre queixas e demissões, soluções propositivas são mais do que bem vindas. Joice Berth sugeriu
que a publicação crie um comitê e tenha uma assessoria remunerada do movimento negro para que deslizes como esse não aconteçam novamente.
E mais, quero ir além. A representatividade de modelos negras nas capas e editoriais ainda não é o suficiente. A Vogue Brasil precisa desverticalizar sua redação, pois mão de obra qualificada de editores, jornalistas, artistas e fotógrafos negros nunca estiveram tão em falta. Deste modo, o jornalismo de Moda ganha um pouco mais de pluralidade, já que sempre foi escrito e registrado pela branquitude brasileira. Um olhar além dessa perspectiva só faria com que a Vogue Brasil ganhasse em termos de colaboração e ajudaria a revista ser menos eurocêntrica.
Muito antes de Gisele
É certo que Gisele camelou muitíssimo até conquistar o seu posto de Übermodel no Olimpo da Moda. Também é certo dizer que ela foi uma das engrenagens que trouxeram um novo tipo de beleza a ser contemplado. Da metade para o final dos anos 90, o tipo de beleza andrógino, esguio e lânguido típico de modelos como Kate Moss, Stella Tennant e Erin O’Connor era requisitado e cultuado pela Indústria. Foi aí que Gisele entrou em cena e mudou tudo. Notada pelo seu desempenho no desfile de Alexander McQueen em 1998, Gisele foi a responsável pelo “retorno das curvas e do sexy”, de acordo com a Vogue America. O que veio depois?
Glória e sucesso, a modelo se tornou umas das modelos mais bem sucedidas de toda a história. Gisele também abriu portas para várias brasileiras que decidiram tentar uma carreira internacional, inclusive ajudando muitas delas. Mas, por acaso, vocês saberiam dizer quais
brasileiras brilharam internacionalmente antes dela? Vale a pena revermos essas musas maravilhosas.
Martha Rocha – eleita oficialmente a nossa primeira Miss Brasil no ano de 1954, a baiana fez uma excelente campanha ganhando notoriedade internacional. Na época, Martha era a favorita para levar o título de Miss Universo, mas acabou perdendo e conquistando o segundo lugar. Boatos da época dizem que Martha só perdeu o posto de Miss Universo por conta de alguns centímetros a mais no quadril. O boato nunca foi confirmado.
Dalma Callado – a modelo paulista conquistou o mundo da Moda nas décadas de 70 e 80. Dona de uma elegância ímpar, Dalma era presença cativa em publicações como Claudia, Marie Claire e Vogue. Queridinha das passarelas com seu jeito único de desfilar e com sua beleza tropical, desfilou exclusivamente para Dior, Chanel e Valentino.
Betty Lago – descoberta pelo fotógrafo Evandro Teixeira nos anos 70, Betty Lago despontou internacionalmente trabalhando durante anos na Europa. Com um rosto de traços marcantes e forte personalidade, Betty foi musa de grandes marcas como Thierry Mugler, Versace e Yves Saint-Laurent. Após o início dos anos 90, Betty decidiu se dedicar a carreira de atriz e atuou em várias novelas da TV Globo. Ela infelizmente faleceu em 2015, mas deixou muitas saudades e um currículo como poucas.
Shirley Mallmann – a gaúcha foi realmente a primeira brasileira a ganhar o título de topmodel internacional em uma época concorridíssima como a década de 90. Shirley foi descoberta trabalhando em uma fábrica de sapatos no interior do Rio Grande Sul. Teve uma carreira de ascensão rápida não demorando muito para conquistar trabalhos importantes. Entre os principais, a brasileira estrelou o comercial do primeiro perfume de Jean Paul-Gaultier. Shirley também fotografou Calendário Pirelli, desfilou para Alexander McQueen, Dolce & Gabbana, Chanel, Prada, entre outros.
Deus salve a rainha!
O estilista magnânimo Alexander McQueen deixou muitas saudades. Há 9 anos, McQueen tirava sua vida de forma trágica, devido a uma forte depressão impulsionada pelo óbito de sua estimada mãe. Definir McQueen apenas como diretor criativo seria um erro crasso. Ele era um artista, um visionário, um provocador adicto de emoções fortes, com poesias têxteis. Seus desfiles eram óperas da Moda. Poucos chocavam e fascinavam concomitantemente como ele.
Seu início chocou a imprensa provocando um verdadeiro horror. Mal-interpretado, duvido muito que McQueen tenha sido algum dia totalmente compreendido. Seu universo era caótico, denso, passional. Sua estreia na Givenchy em 1997, colocou literalmente em cheque a identidade visual da marca, rompendo com alguns paradigmas, afinal não havia nada de Givenchy na Maison. As coleções apresentadas eram completamente uma releitura autoral de McQueen.
Não demorou muito até ter sua própria marca e voar com suas asas. Queridinho de cantoras como Björk – por favor assistam o clipe de “Pagan Poetry” e estejam emocionalmente preparados, pois a cantora costura um vestido McQueen em sua própria pele. Tem também
Janet Jackson, que na ocasião usou um legítimo McQueen ao mostrar completamente o seio, ao vivo, no show do intervalo do Super Bowl. E Lady Gaga que usa um look de sua última coleção no clipe de “Bad Romance”. Beyoncé também usa um legítimo couture em “Run The World (Girls)” acompanhada de um leão.
McQueen também foi um dos primeiros a demonstrar publicamente seu apoio a supermodelo Kate Moss, após o escândalo em que foi fotografada consumindo cocaína, parando na capa dos tabloides ingleses. McQueen a homenageou com uma holografia em um de seus desfiles.
Alexander McQueen não era santo, mas poderia ser seu próprio demônio. Após a abertura de sua própria marca, dinheiro, fama e prestígio não trouxeram um minuto sequer de paz. O criador tinha problemas consigo, com drogas e com depressão crônica. Altos e baixos marcaram sua vida, após uma significante perda de peso e é uma lipoaspiração, McQueen estava irreconhecível perante os entes mais próximos.
Recomendamos que todos assistam o seu documentário intitulado de “McQueen”. Lamentamos muitíssimo sua perda.
Videomodel
A partir dessa edição, o Demasiado encerrará dedicando um clipe com a participação de supermodelos. Na edição de hoje, terminamos com o clipe de “November Rain” dos Guns N’ Roses, com a participação da maravilhosa Stephanie Seymour.
Não percam: na próxima edição do Demasiado vamos cobrir o melhor dos desfiles nas principais capitais da Moda. Fiquem ligados e noronhem-se!