Depois de mais de 10 anos tocando ao lado de artistas como Anaïs Sylla, Chico César, François Muleka e Luedji Luna, Maurício Pazz lança o single “Sarau Para Alforria”, abrindo os trabalhos do selo Atlântico Sul Music. A faixa
inédita, já disponível em todas as plataformas digitais, tem clima guiado pelos tambores malinkes do oeste africano e universos harmônicos melódicos das afro-américas.
“Esta composição surgiu de uma reflexão profunda sobre a presença do lamento em diversas musicalidades negras ao redor do mundo, sobretudo o lamento na melodia. Fiquei pensando no quanto este traço pode estar relacionado às adversidades oriundas dos racismos, na qual a população negra as experiencia na condição de vítimas deste sistema de opressão e exclusão. O lamento é algo que me toca profundamente e que, inclusive, eu acho de uma beleza transcendental… No entanto comecei a imaginar o quão lindo será o dia em que nós negros e negras poderemos utilizar o lamento apenas como um recurso estético e não como uma forma de sublimar as dores vividas por narrativas concretas e objetivas oriundas das tensões raciais. Esse foi o fio condutor da obra”.
Seguindo essa proposta, “Choro Negro”, de Paulinho da Viola, foi a maior inspiração para o hábil compositor e multi-instrumentista de cordas já que o termo “sarau”, presente no título da música, é em referência ao “Sarau para Radamés”, composta por Paulinho para homenagear o maestro Radamés Gnattali, e “Um Sarau para Raphael”, que celebra o violonista Raphael Rabello. “Brindo aqui o Paulinho, mas também faço esse movimento, este exercício, de nos imaginar em uma condição diferente enquanto população negra… Alforriados daquilo que nos faz lamentar. Embora a tristeza e o sofrimento façam parte da vida, não é deles que lhe falo. Eu estou falando dos lamentos que surgem como desdobramentos das péssimas sensações e vivências que o racismo promove. A introdução dessa música, com o solo de cavaco, chega para pedir a benção ao mestre, reverenciá-lo e dizer “olha!!! Eu te ouvi, viu?” e depois disso pedir licença pra dizer o que eu vim dizer. Tenho acreditado muito nessa potência do desejo. De imaginarmos o que queremos e buscar construir isso tudo. Em tempos em que as distopias brotam a cada instante, a cada esquina, nas encruzilhadas do online e off-line, eu acho potente, transformador e, quiçá, subversivo relembrar que não precisa ser um King pra ter um sonho… O Martin tinha o dele, Dandara o dela e eu também tenho o meu… E acho que todos estes sonhos, pro desespero neoliberal, são mais coletivos do que individuais. WE HAVE A DREAM… Creio que posso afirmar que esse projeto é sobre isso e sobre tudo o que foi dito”, destaca Maurício Pazz, responsável por brilhantemente tocar cavaco e violão tenor no single.
Somando entre as participações especiais, Vanessa Ferreira (contrabaixo), Alysson Bruno (percussão), Fábio Leandro (Teclado) e Allan Abbadia (trombone).
Projeto marca, ainda, a estreia do selo “Atlântico Sul Music”, que tem como propósito lançar trabalhos de artistas periféricos, sobretudo negros e negras, engajados com estéticas distintas daquelas entendidas como tipicamente periféricas. “Em muitos momentos é como se apenas houvesse espaço para esses e essas artistas em determinados gêneros musicais. Vivemos um tempo em que o essencialismo impera: mulheres são lembradas em março, indígenas em abril, pretes em novembro… E, no caso de artistas negros de São Paulo é como se apenas pudéssemos tocar funk, samba e rap. Podemos. Mas podemos transitar por muitos outros gêneros também. E é por isso que eu tenho o desejo de que esse selo possa contribuir com esses outros lugares de pertencimento da cena musical e artística pretas da cidade”.