E esse jogo de palavras resume bem o primeiro trabalho do artista, em que o garoto de 24 anos se apresenta como um maestro da favela. Com a ajuda dos DJs Juninho e Portugal, o cantor transformou em música todos os sons do lugar onde cresceu, o PPG – conjunto das comunidades Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, no Rio de Janeiro. As sirenes da polícia, o impacto do tiro, o piano e o coro de igreja – tudo isso se tornou uma mistura de trap, rap e funk, que faz MC Cabelinho retomar as origens do gênero e chegar na sonoridade atual como quem respira.
O disco traz três tipos de ponto de vista: as crônicas da vida urbana, as love songs e as músicas de superação. O primeiro conjunto já ganhou uma palhinha com a canção “Maré”, lançada no mês passado. Mas, no álbum, a literatura realista do MC Cabelinho tem o seu ápice já na faixa de abertura, “Reflexo” – uma parceria com o rapper militante BK. A música “Verdade de Perto”, gravada com o seu ídolo MC Orelha, também merece destaque, pois relata a união do PPG quando as ameaças externas se aproximam e traz um coral ao fundo que dá a impressão de que a comunidade canta junto com os artistas.
A força das palavras do MC Cabelinho continua nas outras partes do álbum, mas tem outro objetivo. “Beco do Pistão” e “Em Busca do Prazer” retratam a vida de solteiro na comunidade, do homem do morro que pede até moto táxi para buscar a mulher e levá-la para a sua casa. Já “Essa Noite” e “Recaídas” são músicas com batidas mais ligadas ao pop, com uma temática mais romântica e participações de peso – do cantor Gaab e da cantora Budah, respectivamente.
A terceira parte é composta pelas faixas “Favela Venceu”, “Tem Bala Sou Eu” e “Agradecer”, esta última fechando o álbum. Com arranjos feitos no teclado, MC Cabelinho canta a força e a delicadeza que é viver dentro da favela, abrindo espaço para gerações futuras sonharem o mesmo sonho que o norteia. “Ainda” é um disco de crônicas que documenta a existência do corpo negro em um país bastante violento e opressor, e leva a mensagem da favela para o asfalto, que ainda não saiu de casa devido à pandemia do novo coronavírus.